Eletrificação já

Max Planck disse uma vez que “a ciência avança um funeral de cada vez”. Seu ponto era que, para qualquer progresso em empreendimentos científicos, o antigo pensamento deve ser deixado de lado. É o caso da eletrificação. Nesimi Ertugrul, professor associado da Escola de Engenharia Elétrica e Eletrônica da Universidade de Adelaide, Austrália, nos conta porque chegou a hora de migrar as minas para a eletricidade.

O QUE VOCÊ QUER DIZER QUANDO FALA DE UMA SINERGIA ENTRE A TRANSFORMAÇÃO DA REDE DE ENERGIA EM AMBIENTES DOMÉSTICOS E DE MINERAÇÃO?

Essa sinergia é baseada no desenvolvimento de microrredes autônomas com recursos distribuídos, usando principalmente energia renovável. A maioria das minas está em áreas remotas e apenas algumas delas estão conectadas à rede elétrica doméstica – e, mesmo assim, geralmente por meio de longas linhas de transmissão.

Portanto, é lógico desenvolver microrredes autônomas com energia renovável (solar e eólica e com hidrogênio em um futuro próximo), o que pode eliminar as limitações da abordagem de rede centralizada. Uma vez que as estruturas de microrrede já estão moldando a transformação das redes, elas podem formar a rede elétrica em minas sem modificações significativas.

Além disso, as infraestruturas elétricas e os custos operacionais e de manutenção das minas envolvem motores e geradores a diesel, com impacto no custo da energia. As microrredes podem responder a essas limitações enquanto suportam uma transformação 100% renovável.

A mudança da rede pela integração de fontes de energia renováveis, juntamente com a maturidade em soluções a bateria e tecnologias de veículos elétricos, aceleram a eletrificação da mina. Embora várias máquinas elétricas comerciais e veículos a bateria já estejam disponíveis, alguns testes de veículos movidos a hidrogênio também estão em andamento para caminhões de grande porte em operações de mineração.

POR QUE VOCÊ ACHA QUE AGORA É O MOMENTO PERFEITO PARA A ELETRIFICAÇÃO, PRINCIPALMENTE NAS MINAS?

Provavelmente por conta dos avanços na eletrônica de potência, que é a tecnologia que permite a energia renovável e os sistemas de transporte elétrico. Em todas as aplicações que a envolvem, topologias de circuitos seme-lhantes usam semicondutores para converter energia elétrica na execução de tarefas específicas. Por exemplo, em uma microrrede um conversor bidirecional pode carregar uma bateria ou alimentar uma carga elétrica, e também pode carregar a bateria de um veículo elétrico parado ou acionar um motor (ou controlá-lo como um gerador durante a frenagem). Além disso, os avanços em chaves semicondutoras (especificamente o desenvolvimento de dispositivos de banda larga) permitiram a evolução de conversores de potência de alta densidade (volumétrica e gravimétrica) a baixo custo. Assim, os produtos de eletrônica de potência ficaram disponíveis em equipamentos de mineração.

QUAIS OS BENEFÍCIOS PARA DONOS DE MINAS PREOCUPADOS COM O CUSTO DE ELETRIFICAR SEUS EQUIPAMENTOS?

Não podemos subestimar a redução das emissões de carbono como fator dessa mudança em equipamentos de mineração.
No entanto, acredito que o maior benefício da conversão para o elétrico diz respeito às melhorias e oportunidades na eficiência do sistema e na facilidade de controle. Os motores a diesel não têm uma eficiência superior a 35% em carga nominal (na velocidade e torque nominais) e é muito menor em cargas leves. Deve-se enfatizar que, em baixa eficiência, também são produzidos calor significativo e altas emissões de diesel. No entanto, a eficiência do motor e da transmissão elétricos pode ser superior a 80% em uma ampla gama de cargas. Além disso, na indústria de mineração, o tempo de atividade precisa ser maximizado. Os motores elétricos têm vários benefícios, incluindo baixo ruído e vibrações, maior confiabilidade, menos componentes mecânicos e custos reduzidos de manutenção. E os sistemas elétricos tornam o monitoramento das atividades da mina para controle de processo e detecção de falhas simples e fácil, o que é crítico.

QUÃO DIFÍCIL É A REQUALIFICAÇÃO DA EQUIPE APÓS O INÍCIO DA ELETRIFICAÇÃO?

É difícil e também fácil, mas acima de tudo necessária. Nem todos os operadores precisam ter níveis semelhantes de conhecimento sobre eletrificação. Nos níveis mais altos, os proprietários devem estar convencidos do valor da eletrificação, portanto, precisam ter conhecimento de como funciona a integração geral. Os engenheiros do local, por sua vez, devem ser treinados em várias frentes, incluindo eletrônica de potência, acionamentos de motores e componentes e controle do sistema de microrrede. Na Universidade de Adelaide, já treinamos os alunos para que estejam prontos para essa nova realidade; e instituímos diversos programas para ajudar a futura força de trabalho. Entre eles, temos cursos que abrangem todas as tecnologias modernas de energia distribuída. Também criamos o Australian Energy Storage Knowledge Bank, onde compartilhamos plataformas modernas de microrrede com armazenamento de energia em grande escala. Além disso, estamos liderando o programa de eletrificação de minas do Future Battery Industries Cooperative Research Center, na Austrália, que também visa a treinar a comunidade de mineração em geral.